terça-feira, 12 de maio de 2015

ERA DE ULTRON: O FIM DO ENCANTO DA MARVEL?




Esta resenha contém spoilers. Então se você ainda não viu o filme...

Quando o primeiro Vingadores foi lançado, em 2012, Joss Whedon assumiu o trono de rei do mundo nerd. Ele parecia ter chegado ao auge de uma carreira de bons serviços prestados à cultura pop com filmes, séries de TV e quadrinhos, criando uma legião de fãs fiéis. 

O filme era tudo que um leitor de quadrinhos sempre sonhou ver no cinema: uma celebração em grande estilo de uma subcultura tão massacrada por décadas, mas que agora se tornava o centro das atenções. Afinal, hoje em dia ser nerd é a regra, não a exceção.

Os executivos de Hollywood mais espertos perceberam, pelos sucessos e fracassos anteriores, que os melhores filmes de super-heróis eram escritos e dirigidos por leitores de quadrinhos, por conhecedores dos universos da DC e da Marvel.

Então, ninguém melhor do que Joss Whedon para conduzir o mais ambicioso filme de super-herói. E, em linhas gerais, o cara não decepcionou. Entregou um filme bem produzido com uma dinâmica convincente entre personagens tão icônicos. Agradou a fãs de quadrinhos e o público em geral.

Com o primeiro Vingadores, a Marvel (comprada pela Disney) começava de fato sua dominação do mundo do entretenimento.


Na sequência, vieram sucessos de bilheteria e de crítica, como Guardiões da Galáxia e Capitão América - Soldado Invernal.

Depois vieram o anúncio não só de Era de Ultron, mas de vários filmes da Marvel, mostrando que o comando do presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, tinha pulso firme e sabia que rumos dar aos negócios. Enquanto que a DC (bancada pela Warner), sua concorrente mais direta, batia cabeça no esforço de dar uma resposta à altura em termos de bilheteria e qualidade de suas produções.

O modelo de universo compartilhado da Marvel, onde todos os filmes conversam entre si, fazendo referências uns aos outros, virou a nova menina dos olhos de Hollywood. É um modelo que permite lançar uma série de filmes com uma marca forte, conseguindo estabelecer uma linha de montagem de produção bem azeitada para conquistar uma sequência de gordas bilheterias. Agora todo estúdio quer um universo compartilhado para chamar de seu.

Portanto, Era de Ultron deveria ser a confirmação de que a Marvel está no caminho certo, da consolidação de seu domínio. Em termos comerciais, o filme está cumprindo seu papel. Ele vai bem de arrecadação e não vai demorar para atingir a meta atual das grandes produções de ultrapassar U$1 bilhão de bilheterias.


Já em termos criativos, o filme é um retrocesso.

Deslumbrado com o próprio poder de fogo, a Marvel resolveu fazer algo megalomaníaco. Com isso, perdeu o foco, perdeu consistência. Eu achei divertido e seu visual é deslumbrante. Mas os problemas incomodam e até deixam o espectador entediado e com vergonha alheia.

Vamos aos pontos positivos. A química entre os vingadores ainda continua afiada, tanto nos momentos de humor e integração, quanto nas divergências, nas brigas entre eles. Esse é um elemento que fez toda a diferença no primeiro filme. E se mantém neste.

Os efeitos especiais foram aprimorados. Tudo está mais bonito de ver. Inclusive as representações digitais dos vingadores. O visual de Ultron é um luxo. As cenas de destruição estão bem inseridas no todo, com um incrível nível de textura e movimento.

A melhor novidade do filme foi a introdução de Visão. A caracterização está perfeita e a performance de Paul Bettany, que também faz a voz de Jarvis, é inspiradora. O arco de sua criação talvez seja a única coisa bem desenvolvida no filme. A cena em que ele empunha pela primeira vez Mjolnir, o martelo de Thor, é a minha preferida.

As cenas de ação são empolgantes. Mas fiquei frustrado com a luta entre Hulk e a Hulkbuster, já que praticamente tudo tinha sido mostrado nos trailers.

Os pontos negativos me decepcionaram bastante.

O mais evidente é que Era de Ultron é um filme maior que precisou ter cenas cortadas para se tornar comercialmente viável. Joss Whedon chegou a montar uma cópia com três horas e dez minutos. A que está sendo exibida nos cinemas tem duas horas e vinte e um minutos. Remontar filmes é algo normal na indústria. Mas no caso aqui, parece que a coisa foi feita meio a facão. O que é inconcebível numa produção desse porte. Exemplo: a parceria entre a Feiticeira Escarlate, Mercúrio e Ultron se dá sem nenhuma explicação prévia. Os gêmeos chegam a uma igreja em ruínas no Leste Europeu para se encontrar com Ultron. Só que o espectador não fica sabendo como Ultron entrou em contato com os irmãos. Acontece esse tipo derrapada em outros momentos importantes do filme. Parece não existir a mínima preocupação em contextualizar certos eventos.


Falando nos irmãos  Maximoff, para mim eles não convenceram. O Mercúrio de Aaron Taylor-Johnson não tem o menor carisma. Para piorar, sempre vamos compará-lo com o divertido Mercúrio de X-Men – Dias de um Futuro Esquecido. A Feiticeira Escarlate de Elisabeth Olsen teria potencial para ser uma personagem relevante, mas fica só na promessa. Assim como todas as personagens femininas da Marvel no cinema.

E justamente nesse aspecto, a Marvel mostra de uma vez por todas seu desprezo por suas heroínas. Isso acabou se tornando uma constante, algo bastante criticado por fãs e pelos críticos. O sexismo nos filmes da Marvel saiu do armário em Era de Ultron. Seu universo nos quadrinhos possui personagens femininas poderosas, que já deveriam ter feito participações no filme de outros heróis ou ter protagonizado os seus próprios.

Numa troca de e-mails que vazou recentemente, o presidente da Marvel Entertainement, Isaac Perlmutter, admitiu que investir em filmes de heroínas só dá prejuízo. O problema é que ele tomou como exemplos Mulher-Gato, com Halle Berry, Supergirl, com Helen Slater, um filme dos anos 1980, dentre outras produções fracas que foram mal de bilheteria. Ele não levou em conta sucessos recentes com protagonistas femininas como a franquia Jogos Vorazes, Frozen e Gravidade. Ou seja, seu julgamento foi de pura má-fé. De puro machismo mesmo.

Em Era de Ultron, todas as personagens femininas tem um desenvolvimento problemático, inclusive as mais fortes. Na maioria do tempo, todas estão a um passo atrás dos machos. Maria Hill, doutora Cho, a esposa do Gavião Arqueiro, a Feiticeira Escarlate e Viúva Negra. A maior vítima é a espiã russa.


Pelo menos, as outras foram deixadas em paz. Mas Natasha Romanoff se tornou um bichinho de pelúcia. A relação dela com Bruce Banner/Hulk é forçada. O clima romântico é constrangedor porque foi feito de uma maneira tão brega, com uma mão tão pesada. Uma maneira de suavizar a personagem. Uma mulher de passado obscuro e atitudes fora do padrão. Ou seja, uma mulher que os homens não entendem. E isso os incomoda. 

Ao invés da Viúva Negra evoluir nesse universo, merecendo até seu filme solo, ela na verdade encolheu. Isso gerou muita revolta dos fãs. E o então feminista Joss Whedon, conhecido por suas heroínas fortes de produções passadas, foi chamado de sexista. Um artigo interessante até questiona a real consistência desse feminismo na obra de Whedon, acusando-o de ser uma farsa.

Agora Whedon está com a imagem arranhada junto aos fãs. E parece que está se despedindo da Marvel. Talvez siga o caminho de John Favreau, o diretor de Homem de Ferro 1 e 2, que foi tão importante para o sucesso inicial da Marvel Studios, mas que resolveu seguir o próprio caminho. Talvez Whedon dê uma de J.J. Abrams e vá trabalhar com a DC. O Joss Whedon de Era de Ultron é uma figura desgastada. Diferente daquele outro de 2012, quando ele podia se sentir o nerd mais feliz do planeta.


O vilão Ultron não trás nada de novo. Nenhuma ameaça realmente de abalar as estruturas. Depois dele, os vingadores continuam como antes. Ele entra para a galeria dos vilões cheios de pose, mas sem consistência, ao lado de Loki, Malekith e Ronan. Age mais como uma criança malcriada. Bem diferente da figura ameaçadora dos trailers. Além do mais, o arco de sua criação é apressado e sem muito sentido.  

Outra coisa que me incomodou muito foi o tempo gasto com o Gavião Arqueiro. Pra que aquilo? Gavião paizão de família? Que coisa mais classe média. Tudo bem em mostrar o lado mais humano dos personagens. Agora vamos fazer direito. O mesmo Jeremy Renner fez um militar e pai de família cheio de conflitos em Guerra ao Terror, um homem em dúvida em definir suas prioridades entre o trabalho perigoso e a vida civil. Foi algo mais intenso e, por isso, mais emocional. Em Era de Ultron, tudo é levado na maior leveza, gerando momentos de um draminha piegas, ou de um humor fácil, rasteiro.    

Sem considerar sentimentos nostálgicos, fato é que os anos 1980 foram o auge dos quadrinhos da DC e da Marvel. Simplesmente porque a razão de ser dessas editoras eram os quadrinhos e seus leitores. Havia uma preocupação em contar boas estórias. Hoje em dia, as editoras são apenas uma pequena parcela de um negócio muito maior. Agora os filmes são o filé dessas empresas. Na mentalidade da indústria, filmes de super-heróis devem ser feitos para o grande público. Ok. Isso é totalmente compreensivo. Mas os melhores filmes de super-heróis foram aqueles que souberam aproveitar a matéria-prima dos quadrinhos para criar obras não só pensando em dinheiro, mas também em deixar um legado cultural.


Dos onze filmes lançados pela Marvel Studios até hoje, Vingadores 1, Capitão América – Soldado Invernal e Guardiões da Galáxia são os melhores. Por mostrarem algo de novo; ou melhor dizendo, algo muito bem reciclado. E por seus realizadores saberem que filmes de super-heróis com vários personagens devem ser resolvidos durante a ação, sem perder o foco, sem gordura.

O saldo que fica de Era de Ultron é que parece que Joss Whedon e a Marvel desaprenderam a fazer filmes para serem amados. Era de Ultron está com a mesma cara de outras produções pipoca com muita tecnologia, mas sem ter muito o que dizer, o que inspirar, abrindo especulações para o futuro. A Marvel fará uma autocrítica, vai admitir que errou a mão? Ou vai continuar seguindo nesse mesmo rumo, porque, afinal, o dinheiro está entrando?

Vingadores – Era de Ultron (Avengers - Age of Ultron, 2015), de Joss Whedon, 141 min., Marvel Studios





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