Esta resenha contém spoilers. Então se você
ainda não viu o filme...
Quando o primeiro Vingadores foi lançado, em
2012, Joss Whedon assumiu o trono de rei do mundo nerd. Ele parecia ter chegado
ao auge de uma carreira de bons serviços prestados à cultura pop com filmes,
séries de TV e quadrinhos, criando uma legião de fãs fiéis.
O filme era tudo que um leitor de quadrinhos
sempre sonhou ver no cinema: uma celebração em grande estilo de uma subcultura
tão massacrada por décadas, mas que agora se tornava o centro das atenções.
Afinal, hoje em dia ser nerd é a regra, não a exceção.
Os executivos de Hollywood mais espertos
perceberam, pelos sucessos e fracassos anteriores, que os melhores filmes de
super-heróis eram escritos e dirigidos por leitores de quadrinhos, por
conhecedores dos universos da DC e da Marvel.
Então, ninguém melhor do que Joss Whedon para
conduzir o mais ambicioso filme de super-herói. E, em linhas gerais, o cara não
decepcionou. Entregou um filme bem produzido com uma dinâmica convincente entre
personagens tão icônicos. Agradou a fãs de quadrinhos e o público em geral.
Com o primeiro Vingadores, a Marvel (comprada
pela Disney) começava de fato sua dominação do mundo do entretenimento.
Na sequência, vieram sucessos de bilheteria e
de crítica, como Guardiões da Galáxia e Capitão América - Soldado Invernal.
Depois vieram o anúncio não só de Era de
Ultron, mas de vários filmes da Marvel, mostrando que o comando do presidente
da Marvel Studios, Kevin Feige, tinha pulso firme e sabia que rumos dar aos
negócios. Enquanto que a DC (bancada pela Warner), sua concorrente mais direta,
batia cabeça no esforço de dar uma resposta à altura em termos de bilheteria e
qualidade de suas produções.
O modelo de universo compartilhado da Marvel,
onde todos os filmes conversam entre
si, fazendo referências uns aos outros, virou a nova menina dos olhos de
Hollywood. É um modelo que permite lançar uma série de filmes com uma marca
forte, conseguindo estabelecer uma linha de montagem de produção bem azeitada
para conquistar uma sequência de gordas bilheterias. Agora todo estúdio quer um
universo compartilhado para chamar de seu.
Portanto, Era de Ultron deveria ser a
confirmação de que a Marvel está no caminho certo, da consolidação de seu
domínio. Em termos comerciais, o filme está cumprindo seu papel. Ele vai bem de
arrecadação e não vai demorar para atingir a meta atual das grandes produções
de ultrapassar U$1 bilhão de bilheterias.
Já em termos criativos, o filme é um
retrocesso.
Deslumbrado com o próprio poder de fogo, a
Marvel resolveu fazer algo megalomaníaco. Com isso, perdeu o foco, perdeu
consistência. Eu achei divertido e seu visual é deslumbrante. Mas os problemas
incomodam e até deixam o espectador entediado e com vergonha alheia.
Vamos aos pontos positivos. A química entre
os vingadores ainda continua afiada, tanto nos momentos de humor e integração,
quanto nas divergências, nas brigas entre eles. Esse é um elemento que fez toda
a diferença no primeiro filme. E se mantém neste.
Os efeitos especiais foram aprimorados. Tudo
está mais bonito de ver. Inclusive as representações digitais dos vingadores. O
visual de Ultron é um luxo. As cenas de destruição estão bem inseridas no todo,
com um incrível nível de textura e movimento.
A melhor novidade do filme foi a introdução
de Visão. A caracterização está perfeita e a performance de Paul Bettany, que
também faz a voz de Jarvis, é inspiradora. O arco de sua criação talvez seja a
única coisa bem desenvolvida no filme. A cena em que ele empunha pela primeira
vez Mjolnir, o martelo de Thor, é a minha preferida.
As cenas de ação são empolgantes. Mas fiquei
frustrado com a luta entre Hulk e a Hulkbuster, já que praticamente tudo tinha
sido mostrado nos trailers.
Os pontos negativos me decepcionaram
bastante.
O mais evidente é que Era de Ultron é um
filme maior que precisou ter cenas cortadas para se tornar comercialmente
viável. Joss Whedon chegou a montar uma cópia com três horas e dez minutos. A
que está sendo exibida nos cinemas tem duas horas e vinte e um minutos. Remontar
filmes é algo normal na indústria. Mas no caso aqui, parece que a coisa foi
feita meio a facão. O que é inconcebível numa produção desse porte. Exemplo: a
parceria entre a Feiticeira Escarlate, Mercúrio e Ultron se dá sem nenhuma
explicação prévia. Os gêmeos chegam a uma igreja em ruínas no Leste Europeu para
se encontrar com Ultron. Só que o espectador não fica sabendo como Ultron
entrou em contato com os irmãos. Acontece esse tipo derrapada em outros
momentos importantes do filme. Parece não existir a mínima preocupação em
contextualizar certos eventos.
Falando nos irmãos Maximoff, para mim eles não convenceram. O
Mercúrio de Aaron Taylor-Johnson não tem o menor carisma. Para piorar, sempre
vamos compará-lo com o divertido Mercúrio de X-Men – Dias de um Futuro Esquecido.
A Feiticeira Escarlate de Elisabeth Olsen teria potencial para ser uma
personagem relevante, mas fica só na promessa. Assim como todas as personagens
femininas da Marvel no cinema.
E justamente nesse aspecto, a Marvel mostra
de uma vez por todas seu desprezo por suas heroínas. Isso acabou se tornando
uma constante, algo bastante criticado por fãs e pelos críticos. O sexismo nos
filmes da Marvel saiu do armário em Era de Ultron. Seu universo nos quadrinhos
possui personagens femininas poderosas, que já deveriam ter feito participações
no filme de outros heróis ou ter protagonizado os seus próprios.
Numa troca de e-mails que vazou recentemente,
o presidente da Marvel Entertainement, Isaac Perlmutter, admitiu que investir
em filmes de heroínas só dá prejuízo. O problema é que ele tomou como exemplos
Mulher-Gato, com Halle Berry, Supergirl, com Helen Slater, um filme dos anos
1980, dentre outras produções fracas que foram mal de bilheteria. Ele não levou
em conta sucessos recentes com protagonistas femininas como a franquia Jogos Vorazes, Frozen e Gravidade.
Ou seja, seu julgamento foi de pura má-fé. De puro machismo mesmo.
Em Era de Ultron, todas as personagens
femininas tem um desenvolvimento problemático, inclusive as mais fortes. Na
maioria do tempo, todas estão a um passo atrás dos machos. Maria Hill, doutora Cho,
a esposa do Gavião Arqueiro, a Feiticeira Escarlate e Viúva Negra. A maior
vítima é a espiã russa.
Pelo menos, as outras foram deixadas em paz.
Mas Natasha Romanoff se tornou um bichinho de pelúcia. A relação dela com Bruce
Banner/Hulk é forçada. O clima romântico é constrangedor porque foi feito de
uma maneira tão brega, com uma mão tão pesada. Uma maneira de suavizar a
personagem. Uma mulher de passado obscuro e atitudes fora do padrão. Ou seja, uma
mulher que os homens não entendem. E isso os incomoda.
Ao invés da Viúva Negra evoluir nesse
universo, merecendo até seu filme solo, ela na verdade encolheu. Isso gerou
muita revolta dos fãs. E o então feminista Joss Whedon, conhecido por suas heroínas
fortes de produções passadas, foi chamado de sexista. Um artigo interessante
até questiona a real consistência desse feminismo na obra de Whedon, acusando-o
de ser uma farsa.
Agora Whedon está com a imagem arranhada junto
aos fãs. E parece que está se despedindo da Marvel. Talvez siga o caminho de
John Favreau, o diretor de Homem de Ferro 1 e 2, que foi tão importante para o
sucesso inicial da Marvel Studios, mas que resolveu seguir o próprio caminho. Talvez
Whedon dê uma de J.J. Abrams e vá trabalhar com a DC. O Joss Whedon de Era de
Ultron é uma figura desgastada. Diferente daquele outro de 2012, quando ele podia
se sentir o nerd mais feliz do planeta.
O vilão Ultron não trás nada de novo. Nenhuma
ameaça realmente de abalar as estruturas. Depois dele, os vingadores continuam
como antes. Ele entra para a galeria dos vilões cheios de pose, mas sem
consistência, ao lado de Loki, Malekith e Ronan. Age mais como uma criança
malcriada. Bem diferente da figura ameaçadora dos trailers. Além do mais, o
arco de sua criação é apressado e sem muito sentido.
Outra coisa que me incomodou muito foi o tempo
gasto com o Gavião Arqueiro. Pra que aquilo? Gavião paizão de família? Que
coisa mais classe média. Tudo bem em mostrar o lado mais humano dos
personagens. Agora vamos fazer direito. O mesmo Jeremy Renner fez um militar e
pai de família cheio de conflitos em Guerra ao Terror, um homem em dúvida em
definir suas prioridades entre o trabalho perigoso e a vida civil. Foi algo
mais intenso e, por isso, mais emocional. Em Era de Ultron, tudo é levado na
maior leveza, gerando momentos de um draminha piegas, ou de um humor fácil,
rasteiro.
Sem considerar sentimentos nostálgicos, fato
é que os anos 1980 foram o auge dos quadrinhos da DC e da Marvel. Simplesmente
porque a razão de ser dessas editoras eram os quadrinhos e seus leitores. Havia
uma preocupação em contar boas estórias. Hoje em dia, as editoras são apenas
uma pequena parcela de um negócio muito maior. Agora os filmes são o filé
dessas empresas. Na mentalidade da indústria, filmes de super-heróis devem
ser feitos para o grande público. Ok. Isso é totalmente compreensivo. Mas os melhores
filmes de super-heróis foram aqueles que souberam aproveitar a matéria-prima dos
quadrinhos para criar obras não só pensando em dinheiro, mas também em deixar
um legado cultural.
Dos onze filmes lançados pela Marvel Studios
até hoje, Vingadores 1, Capitão América – Soldado Invernal e Guardiões da
Galáxia são os melhores. Por mostrarem algo de novo; ou melhor dizendo, algo
muito bem reciclado. E por seus realizadores saberem que filmes de super-heróis com vários
personagens devem ser resolvidos durante a ação, sem perder o foco, sem
gordura.
O saldo que fica de Era de Ultron é que
parece que Joss Whedon e a Marvel desaprenderam a fazer filmes para serem
amados. Era de Ultron está com a mesma cara de outras produções pipoca com
muita tecnologia, mas sem ter muito o que dizer, o que inspirar, abrindo
especulações para o futuro. A Marvel fará uma autocrítica, vai admitir que
errou a mão? Ou vai continuar seguindo nesse mesmo rumo, porque, afinal, o
dinheiro está entrando?
Vingadores – Era de Ultron (Avengers - Age of Ultron, 2015), de Joss Whedon,
141 min., Marvel Studios
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