sexta-feira, 20 de março de 2015

RESENHA DE ENCRUZILHADA, NOVO ROMANCE DE LÚCIO MANFREDI



Qual é o maior elogio que um autor pode receber? Com certeza: “Eu não consegui parar de ler seu livro até o final”. Enquanto eu devorava Encruzilhada, o novo romance de Lúcio Manfredi, praticamente aconteceu isso comigo. Terminei-o em dois dias, porque eu tinha outras coisas para fazer.

Mais do que um soco no estômago, o livro é um soco no cérebro. Ele tira o leitor de sua zona de conforto para jogá-lo num vórtice de imagens e ideias que, a todo momento, nos questiona sobre as certezas de nossa realidade, sobre as certezas de quem nós somos. Lembrou-me de outro romance nacional recente: Diário da Queda, de Michel Laub.

Em Diário da Queda, o protagonista é um brasileiro e judeu que rememora sua infância e sua participação num episódio de bullying quando criança, e, ao mesmo tempo, rememora a história de sua família, a sobrevivência do avô a Auschwitz, a chegada deste ao Brasil, e a relação difícil entre avô, pai e neto.



Lúcio Manfredi
Diário da Queda e Encruzilhada são romances diferentes, mas ambos têm em comum o mérito de tirar a literatura brasileira contemporânea do marasmo. Tanto a chamada literatura de entretenimento (basicamente, fantasia, policial e terror; a ficção-científica permanece num certo limbo editorial) quanto a chamada alta literatura praticadas no país ainda sofrem, muitas vezes, de uma imaturidade bem teimosa. A primeira por insistir em referências que merecem todo o respeito, mas que já estão desgastadas, a exemplos de Tolkien, Asimov e Stephen King. A segunda por não sair do círculo vicioso da narrativa centrada na vidinha do jovem urbano de classe média ou na metalinguagem vazia, desconectada do que acontece fora da linguagem, seja no país, seja no resto do planeta. O que me faz ter alguma esperança por um melhor cenário em nossa literatura é a redescoberta de alguns mestres do passado, antes negligenciados por puro preconceito de suas propostas narrativas, e novos autores que propõe uma outra forma de ver o Brasil, o mundo e o próprio ser humano, numa perspectiva mais complexa, não necessariamente positiva. Como é o caso de Encruzilhada. 

Vou logo dizendo que o romance é protagonizado por um jovem urbano e é fortemente metalinguístico. Mas isso não são problemas no texto. Pelo contrário. Mostram-se como qualidades poderosas.

Revelarei o mínimo da trama para não estragar as surpresas do leitor.

Uma noite, Max, um matador profissional, está fugindo de antigos parceiros por não ter aceito um último serviço. Ele vê uma casa com as luzes apagadas. Resolve refugiar-se nela. E então começa uma jornada que vai testar os limites de sua sanidade.

À medida que o tempo passa dentro da casa, Max entra em contato com situações e objetos que o fazem questionar inclusive sua própria identidade. Presente, passado e futuro se intercalam numa intensidade que é difícil de avaliar o que é real, o que é sonho. Aliás, os eventos inexplicáveis que lhe acontecem são realmente sonhos?, ele se questiona. De repente, ele se vê transformado em outra pessoa, localizada em outro espaço, em outro tempo. Agora não é apenas com o presente, passado e futuro do Max matador que ele tem de lidar, mas dele como outra pessoa, como outras pessoas. E também com o deslocamento no espaço-tempo de outros personagens ao seu redor. Para piorar as coisas, o clima de terror aumenta, chegando ao nível do insuportável para ele.


Enquanto eu avançava na leitura, seis nomes me vieram à cabeça: Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares, Kurt Vonnegut, William Burroughs, Thomas Pynchon e Philip K. Dick.

De fato, no site da editora Draco, que publicou Encruzilhada, é possível conhecer quais autores Lúcio Manfredi elencou como as maiores referências na construção do seu romance. Quatro dos autores mencionados estão lá (Cortázar, Burroughs, Pynchon e K. Dick). Mais o americano Don Delillo (aliás, um autor que ainda não li e preciso fazer isso urgentemente).

Um contato prévio com a obra desses autores é interessante, porque enriquece a leitura do romance de Manfredi. (Ou senão, Encruzilhada poderia servir como uma introdução indireta a nomes não só importantes para os acadêmicos, mas principalmente que podem transformar sua maneira de entender o mundo, a História e o ser humano, fazendo-o olhar pelas brechas da realidade e ver coisas não muito agradáveis, realmente, mas bastante reveladoras.)

Claro que outros leitores, a partir da bagagem e do entendimento de cada um, poderiam elencar outros nomes, como Borges, Kafka, Virginia Woolf, Edgar Allan Poe, James Joyce, Swift, isso sem falar em nomes de outras áreas do conhecimento, como Jung, Baudrillard, Platão, Heráclito e por aí vai. A riqueza de interpretações que o romance oferece permite uma leitura bastante particular, não se esgotando em si, deixando muitas portas abertas.

Em relação aos seis autores que mencionei, cada um tem um determinado grau de influência na construção de Encruzilhada. Em menor grau estão Cortázar, Bioy Casares e Vonnegut. Os dois primeiros são mestres argentinos do fantástico, mas um fantástico que nunca diz seu nome. Em contos de Cortázar, como Casa Tomada e As Babas do Diabo, e no romance de Bioy Casares A Invenção de Morel, o fantástico invade a realidade, sem maiores explicações, e com o poder de abalar certezas. Já Vonnegut entra com sua ironia triste e os elementos de ficção-científica que invadem o romance mainstream. Como bem podemos observar em sua obra mais famosa, Matadouro 5.


Em maior grau, constata-se a influência de Burroughs, Pynchon e K. Dick.

De longe Burroughs é o autor da geração beat mais interessante. Sua ousadia não se dá apenas na linguagem, mas também em suas ideias sobre o homem e a sociedade. Considerado um rebelde da literatura mainstream, também podemos dizer, com certeza, que ele foi um autor de ficção-científica dos mais incomuns. Ele criou distopias totalmente na contramão da ficção-científica conservadora americana a partir dos anos 1950, em textos cheios de uma poesia brutal e uma sátira devastadora. Seu polêmico clássico Almoço Nu (Naked Lunch) é um divisor de águas na cultura americana. Borroughs influenciou muitos artistas contestadores nas gerações seguintes.

O texto de Encruzilhada é gostoso de ler, fluido e preciso. Mas também não tem medo de ser exagerado em certas passagens, rasgando com o maior prazer qualquer manual da chamada boa escrita. Metáforas estranhas e vulgares. Objetos inanimados, como uma vassoura, tornam-se personagens. Essas loucuras do texto tanto podem vir de Burroughs quanto de K. Dick, mas a musicalidade vem do primeiro. Outra grande influência de Burroughs é a não linearidade, o texto picotado.       

Max não é exatamente uma pessoa. Ele é o pivô de um jogo literário. Nesse aspecto, o romance se aproxima da obra de Thomas Pynchon. Édipa Mass, a protagonista de O Leilão do Lote 49, cumpre a mesma função. Ela é uma dona de casa americana que, ao se tornar inventariante do testamento de um ex-namorado, um magnata do ramo imobiliário, acaba em meio a uma aventura sombria e obsessiva. A existência de Édipa e de sua obsessão por selos postais, um determinado símbolo gráfico e sociedades secretas é um mecanismo de Pynchon para discorrer sobre uma série de tópicos, indo da história dos correios americanos à cultura de massa. O mesmo acontece com Max e sua jornada para recuperar sua sanidade. Manfredi utiliza os percalços de seu protagonista para fazer reflexões sobre os complexos desdobramentos da percepção humana da realidade. A partir de certo momento, Max acha que é a única vítima de uma conspiração bizarra. Assim como Édipa.


Encruzilhada não é chato. Tudo bem que algumas passagens necessitam de um pouco mais de calma; e o leitor não vai perder nada com isso. Mas o romance também é bastante movimentado, como um bom thriller. Apesar de não existir propriamente um enredo. O suspense se dá pela tensão dos acontecimentos, pelo acúmulo de dúvidas de Max, e pela expectativa do que pode vir no capítulo seguinte. Como o desenvolvimento da trama é maleável, o leitor pode esperar qualquer coisa mais à frente.

As maiores pirações de Encruzilhada eu atribuo à influência de Philip K. Dick. Para mim, entre os seis autores que mencionei, PKD é o mais complexo, complicado, fascinante e influente deles. O próprio autor se considerava um filósofo que escrevia a verdade através de sua ficção, principalmente, em seus últimos livros. K. Dick era um pensador autodidata, tendo abandonado a Universidade de Berkeley, na Califórnia, logo no início. Ele considerava os professores de lá treinados demais, bitolados. Então ele foi estudar Filosofia e outras disciplinas por conta própria. E suas leituras de autores clássicos e contemporâneos ganharam interpretações bastante particulares. E muitas dessas interpretações estão presentes em seus romances, contos e não-ficção, seja numa abordagem mais pessoal, como no romance Valis, ou através da estória sobre o estado policial e o consumo de drogas no futuro (O Homem Duplo – A Scanner Darkly), ou a disputa entre terráqueos  e os estranhos habitantes de uma lua, onde já funcionou um hospital psiquiátrico (Clãs da Lua Alfa), ou ainda de maneira mais direta na sua Exegesis, um texto místico-filosófico publicado num livro de quase mil páginas, mas o texto bruto tendo mais de oito mil páginas.

Depois de abandonar o sonho de ser um escritor mainstream, K. Dick passou a ver na ficção-científica a melhor possibilidade literária para especulações filosóficas. O melhor veículo para entender a verdade: basicamente, de que nossa realidade não é a verdadeira realidade. Escrever sua obra não era apenas seu ganha pão, ou apenas uma maneira de prazer pessoal. Ele considerava que havia algo mais profundo, algo mais necessário em sua escrita. Na literatura mundial, esse sentido de missão não é exclusivo em K. Dick. Mas nele serviu como um propulsor de ideias que extrapolaram o campo da literatura. Já há muitos anos, sua obra se tornou importante em vários ramos do conhecimento humano, das artes e do entretenimento, utilizada tanto por indivíduos e grupos contrários ao status quo quanto, ironicamente, por forças do mercado e da indústria, as quais ele tanto combatia.


Eu sei que é um clichê, mas também associei Encruzilhada e suas influências a certos filmes. Geralmente adaptações literárias para o cinema simplificam ideias e conceitos, não conseguem dar conta de todo o conteúdo de um livro. É por isso que as melhores adaptações são infiéis às obras de origem. Realizadores inteligentes não tentam fazer a versão de um romance em duas horas de filme. Eles são inspirados no universo daquele romance para criar outra coisa. Por isso, David Cronenberg fez uma ótima adaptação de Almoço Nu. Ele se sentiu livre para criar dentro do estranho universo imaginado por Burroughs. E ainda tem aqueles filmes que não são adaptações diretas de nenhuma obra do autor, mas isso é um mero detalhe. Donnie Darko é um das melhores representações do universo de K. Dick no cinema, com seus questionamentos sobre os limites da realidade e os mistérios do espaço-tempo. Quanto a Pynchon, é possível analisar qual a influência do autor em filmes como Blow-Up e The Big Lebowski.


Encruzilhada não é uma colcha de retalhos. Não é apenas uma homenagem a esses autores, não são referências sem filtro. Manfredi pega tais referências para criar algo seu. E ele deixa sua marca principalmente em três aspectos. Primeiro, no uso de elementos da umbanda e de xamanismo indígena. Não para tornar a narrativa exótica ou estereotipada. Não para dar uma cor local. Tais elementos estão bem integrados a tudo aquilo que no texto questiona as bases de nossa realidade. Segundo, o humor, curiosamente, esculhambado. Ainda mais inserido numa narrativa tão tensa. Não é alívio cômico. Os personagens se tratam de forma coloquial, com palavrões e obscenidades, com a malícia do dia a dia. Novamente, é algo brasileiro, sem apelar para o estereótipo. Esse contraste entre a linguagem cotidiana e a linguagem reflexiva acaba gerando o terceiro aspecto de originalidade do romance.

Mesmo o romance centrado em um protagonista jovem urbano, que tem relação com a classe média, o que seria mais um vício narrativo em mãos menos habilidosas, aqui se justifica e supera as expectativas. Ao longo do texto, Max tem cada vez menos certezas da concretude do que está ao seu redor e de sua própria identidade. Não estamos tratando do draminha de um fracassado por escolha. Mas de alguém que está desorientado em um macabro labirinto. Max não tem controle sobre sua situação. Porém, essa subversão de usar o protagonista jovem urbano de outra maneira poderia ter ido mais adiante, chegando ao mundo fora da linguagem. Mesmo em romances muito focados nos dramas internos dos protagonistas (homens e mulheres de diferentes idades, formações, e estilos de vida), autores como Pynchon, K. Dick e Burroughs encontraram espaço para refletir sobre o que acontece na sociedade, no caso a americana, fazendo críticas bem sombrias sobre temas como consumo, controle do Estado, guerras, conservadorismo e violência. Seria bem interessante se Manfredi tivesse ido pelo mesmo caminho, desenvolvendo melhor uma crítica à sociedade brasileira.    

Outra coisa. Seu final não me agradou muito. Considero-o aquém de toda a excelência da jornada. Não que eu estivesse em busca de respostas. Eu não esperava que tudo fosse explicado. O que eu esperava mesmo era uma pergunta ainda mais desafiadora. E ela não veio. Terminado o romance, fiquei com ele na cabeça, pensando na jornada, não em sua resolução.

Quanto à edição, no formato e-book, só posso dizer que a capa é belíssima em sua simplicidade. Na revisão, encontrei apenas três errinhos bobos. E a diagramação foge um pouco dos padrões, fazendo parte da narrativa e abrindo possibilidades para novos enigmas e interpretações.  

Este é um romance necessário na literatura brasileira contemporânea, que merece ser apreciado pela ousadia em unir apuro literário, ficção-científica, terror e fantasia.

Encruzilhada, de Lúcio Manfredi, 160 págs., Draco.

NOTA:


quinta-feira, 12 de março de 2015

KINGSMAN - O 007 DO SÉCULO 21



Kingsman – Serviço Secreto é indecentemente divertido. Ele tem tudo o que você poderia esperar de um novo filme de James Bond.

Enquanto o Bond oficial não consegue sair da fossa, os espiões protagonistas de Kingsman parecem parentes dos antigos 007, principalmente, de Roger Moore. Colin Firth parece um filho de Moore, e o novato Taron Egerton, o neto. Eles têm classe, charme, humor e múltiplas habilidades para matar.

E ainda há outros elementos que fazem a farra dos carentes fãs de Bond: o vilão megalomaníaco, seu braço direito com uma característica exótica e mortal (aqui é uma mulher com próteses de lâminas no lugar das pernas), os gadgets, o exagero e a leveza. Mas uma leveza que, na hora da ação, é interrompida por uma violência acima da média.

Em uma sequência em particular, numa igreja, a violência tornou-se absurdamente gráfica. Aliás muito bem coreografada, com o uso bastante realista dos efeitos especiais. É um triunfo técnico, mas deixou a impressão de que o diretor Matthew Vaughn é um menino meio perturbado que teve total liberdade para se divertir com brincadeiras bem pesadas.

Vaughn é um diretor muito talentoso, suas obras mais conhecidas são Kick Ass e X-Men: Primeira Classe. Prefiro quando ele não investe tanto na violência física, e sim na construção de personagens e em motivações mais complexas, como ele fez no filme dos mutantes. E também em sua estreia na direção, o ótimo Layer Cake, o meu preferido.

O roteiro de Kingsman tem soluções interessantes, mas os defeitos incomodam. O maior deles é insistir no machismo dos antigos filmes de Bond. Existem personagens femininas duronas, mas elas não são poderosas, como se quase não pudessem decidir sobre seus próprios destinos. Elas agem sempre em função dos homens, sejam aliados ou inimigos. E o curioso é que um dos roteiristas é uma mulher.

Se numa continuação seus realizadores deixarem o machismo e a violência exagerada de lado, e manterem todo o resto, será melhor a franquia 007 ficar preocupada.

Kingsman – Serviço Secreto (2014), de Matthew Vaughn, 129 min., Marv Films/Cloudy Productions


NOTA: 


quarta-feira, 11 de março de 2015

SE VOCÊ CURTIU UM LIVRO, DÊ UM TOQUE!



A autora V.E. Schwab, aliás um dos nomes mais quentes da nova fantasia (eu preciso lê-la!), postou em seu site algumas dicas para os leitores apoiarem livros que merecem mais divulgação. Farei aqui uma tradução resumida e uma certa adaptação, já que nossa cultura do livro é diferente da dos americanos e dos britânicos. Vocês podem conferir o texto original clicando na imagem, que foi feita pelo escritor Tiago Toy. 

Aqui estão as dicas:

- Obviamente, se você tem condição, compre o livro. Este é a maneira mais garantida de apoiar a obra e o autor.

- Depois de ler o livro, faça uma resenha online. É uma das maneiras mais fáceis de causar impacto, e realmente faz a diferença.

- Fale sobre o livro com sua família, seus amigos, em sua escola, no trabalho.

- Se você gostou de um livro do autor, procure outros livros que ele escreveu.

- Se você gostou de um livro, divulge-o online através do Facebook, Twitter, Tumbrl, Instagram, Youtube. Interesse e entusiasmo são contagiantes.

- Fato curioso: existe uma teoria chamada A Regra dos 5 Toques, que basicamente sugere que nós, como consumidores, interagimos com um produto cinco vezes antes de adquiri-lo. Eu acredito muito nisso quando se trata de livros. Se você pode ser um desses Toques, então, por favor, seja.

domingo, 8 de março de 2015

IMAGINAÇÃO NÃO RIMA COM PRECONCEITO




O escritor Jorge Lourenço levantou em seu blog a discussão sobre preconceitos na literatura. Entre a diferença do autor que, consciente ou não, repete os mesmos estereótipos de obras anteriores, e aquele que mostra um mundo cheio de preconceitos, mas de maneira crítica. 

Leitores de fantasia, FC e terror estão mais acostumados com o primeiro tipo de autor. Porém cada vez mais escritoras e escritores têm mostrado como a chamada literatura de entretenimento pode ser um campo fértil para obras progressistas.  

Não é porque uma obra é de entretenimento que ela está livre para ser leviana.

Toda expressão de arte é política, mesmo que o autor não tenha consciência disso. Então, é muito melhor quando se cria sua obra sabendo do impacto, das consequências, que ela terá em seus leitores. Claro que um autor cheio de preconceitos pode atingir milhões, defendo uma visão de mundo que incita o ódio. Mas também há a possibilidade do contrário. 

Seja escrevendo sobre super-heróis ou um drama familiar, cada personagem e cada rumo da trama carrega vários significados, explícitos e implícitos. Qualquer um que crie arte e queira se comunicar com as pessoas deveria ter em mente que pode lutar contras os preconceitos por meio de sua obra, mas não de maneira panfletária e chata. 

Cada autor está livre para escrever o que quiser, mas sua obra não pode servir de veículo para perpetuar preconceitos e visões estreitas do mundo. Ser inclusivo é uma maneira de mostrar qual é sua real capacidade como escritor, até onde pode ir sua imaginação, seu entendimento sobre as pessoas, sobre a vida. 

(Para ler o artigo de Jorge Lourenço, clique na imagem.)

terça-feira, 3 de março de 2015

UM CONVITE À VIDA NESSE MUNDO LOUCO



VIDAS AO VENTO é mais uma belíssima animação do mestre Hayao Miyazaki. Mas provavelmente ela não tem o mesmo apelo para as crianças dos seus filme anteriores. A beleza visual está presente tanto nos acontecimentos mais simples quanto nos momentos em que a imaginação corre solta. Mesmo assim, o filme é um drama histórico que procura retratar um período decisivo para a modernidade do Japão. Esta é a obra mais realista de Miyazaki. Acompanhamos os esforços de engenheiros aeronáuticos e de suas equipes em produzir aviões japoneses que pudessem voar na década de 1930. Aviões de combate, que seriam usados na 2ª Guerra Mundial. A animação gerou controvérsia no Japão entre nacionalistas e liberais. Miyazaki foi acusado pela Esquerda de romantizar essa corrida aeronáutica. Apesar das brutalidades que indiretamente são mostradas no filme, em particular, a beligerância da forças armadas japonesas (alvo de crítica da Direita) e a ascensão do nazismo. A animação pode realmente mostrar uma visão política conservadora ao insistir no discurso de que os engenheiros queriam apenas criar belos aviões, colocando o uso de suas criações em segundo plano. Mas, por outro lado, também mostra como, no final, essa beleza acabou corrompida pela guerra ao ponto de tirar-lhe o sentido. O final da animação é bastante melancólico, mas deixa uma ponta de esperança, um convite à vida.

Vidas ao Vento (2013), de Hayao Miyazaki, 126 min., Studio Ghibli.

NOTA: