quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

ENTÃO, EU ASSISTI A O DESTINO DE JÚPITER



Quando fui ao cinema, eu já sabia o que me esperava. Aliás, pensava que sabia. Na verdade, a coisa foi muito pior.

Eu torcia para que esse filme fosse a volta por cima dos irmãos Wachowskis.

No primeiro Matrix, eles se revelaram como ótimos recicladores de ideias. Misturaram simplificações de conceitos filosóficos, literatura cyberpunk e estética de anime para criar uma mitologia consistente sobre o embate entre homens e máquinas num futuro sombrio. Adicionem a isso as cenas de luta lindamente coreografadas, os efeitos especiais inovadores e os personagens carismáticos (mocinhos e vilões), e temos um dos filmes mais importantes para a indústria do cinema das últimas décadas. Matrix foi um sucesso de bilheteria e se tornou uma referência da cultura pop porque um grupo de pessoas talentosas criou algo acima da média, algo para se tornar objeto de culto. Assim como Star Wars foi em 1977. Tudo bem, Guerra nas Estrelas teve mais impacto.


Então, ao analisar a carreira dos Wachowskis, a ficha finalmente caiu para mim. De uma vez por todas, eu entendi que eles sofrem de uma doença chamada “síndrome de George Lucas”. Quer dizer,eles são uma versão piorada de George Lucas. Dos 11 longas-metragens em que exerceram alguma função de diretores, roteiristas e/ou produtores, à exceção do primeiro Matrix, nenhum de seus filmes teve nada de realmente positivo. Matrix 2 e 3 fizeram muito dinheiro, mas todos concordam que são grandes decepções. E V de Vingança não foi tão bem nos cinemas e é apenas um filme OK.

A filmografia dos Wachowskis é uma lista, em sua maioria, de filmes fracos e de péssimos investimentos para seus financiadores. Por sua vez, o criador de Star Wars é um diretor e roteirista medíocre, mas é um produtor esperto, seu maior talento é justamente gerenciar talentos, selecionar os melhores profissionais para concretizarem suas ideias. George Lucas consegue ganhar dinheiro até com sacrilégios como os episódios I a III de SW. Já os Wachowskis são incompetentes até para fazer filmes ruins. Talvez toda a grana que a Warner tinha conseguido com a trilogia Matrix foi pelo ralo nos filmes seguintes dos irmãos. E O Destino de Júpiter talvez seja o ponto de virada desse cartaz todo que eles tiveram com o estúdio por tantos anos.

O novo filme dos Wachowskis falha em tudo no que Matrix triunfou. Matrix deu tão certo porque todos os elementos da produção estavam voltados para a estória. O filme partiu disso e o resto foi uma feliz junção de talentos, uma soma que só fez enriquecer a mitologia daquele universo. Em O Destino de Júpiter, os elementos de produção não “conversam” entre si, batem cabeça. Justamente porque não há uma estória para contar. O acúmulo de erros é tamanho que não dá para acreditar como um grande estúdio como a Warner não interveio nessa produção para tentar consertar o estrago logo no início, ou mesmo abortar o projeto.



Diretores e roteiristas constantemente reclamam da interferência dos estúdios nas produções. Muitas vezes, os artistas têm razão. Homem-Aranha 3, de Sam Raimi, foi detonado criativamente pelas imposições absurdas da Sony. Foi bem de bilheteria, mas é um filme odiado, e isso não é bom para os negócios, enfraquece a marca. Agora a própria Sony está tentando salvar seu bem mais valioso no acordo com a Disney/Marvel. Mas há filmes em que é o estúdio quem garante sua qualidade. E provavelmente muito do sucesso do primeiro Matrix deve ser creditado ao veterano produtor Joel Silver, que convenceu a Warner a fazer o filme e deu liberdade para os Wachowskis trabalharem, mas sempre com seu olho experiente acompanhando todo o processo.

Certos filmes são sucesso de público, outros são sucessos de crítica, e há os agraciados com ambos. Mas quando um diretor faz filmes que não conseguem atingir nenhuma das duas coisas é porque tem algo de muito errado.

Fazia tempo que eu não conferia as horas e bocejava no cinema. O Destino de Júpiter tem alguns dos piores diálogos que já tive a infelicidade de escutar. Fiquei constrangido pelos atores. Que também não ajudam muito, em péssimas performances. Ninguém se salva. Os papeis mais problemáticos são o da heroína e o do vilão-mor. Mila Kunis foi uma escolha equivocada. E suas funções no filme são basicamente dar em cima do personagem de Channing Tatum e ser salva por ele. Em tempos de Katniss Everdeen, isso é um retrocesso. E o vilão afetado de Eddie Redmayne faz a gente sentir mais pena do que medo. O roteiro não tem furos, e sim crateras, principalmente em relação aos personagens secundários (alguns têm uma forte presença no primeiro 1/3 do filme e depois são simplesmente esquecidos), além de reviravoltas gratuitas e explicações de uma mitologia ridícula. O que causa a instabilidade e o caos no planeta do vilão-mor no clímax do filme é uma solução de roteiro tão preguiçosa. É difícil comprar aquela ideia. As únicas cenas empolgantes são as de ação, e mesmo assim elas são confusas, o espectador fica meio perdido com tanta movimentação e cores. Os efeitos especiais são deslumbrantes, mas vazios, não há nada que os sustente.



O filme é brega, com sua direção de arte de escola de samba, mas fica ainda mais brega por se levar tão a sério (aliás, os alívios cômicos aqui são muito deslocados). Diferente de outros filmes bregas e divertidos, como Guardiões da Galáxia, Barbarella, Mercenários das Galáxias, O Quinto Elemento e Flash Gordon.

Finalmente, percebi que os irmãos Wachowskis são um caso perdido. Eles parecem aqueles cantores de um sucesso só, que continuam na estrada apenas para fazer o showbiz girar. Ainda em 2015, eles vão estrear uma série de ficção-científica no Netflix, Sense8, sobre um grupo de pessoas ao redor do mundo que misteriosamente ficam conectadas mental e emocionalmente. Achei a premissa idiota. Pelo menos, os Wachowskis tiveram a decência de não ficar mamando nas tetas do seu maior sucesso. Pelo menos, por enquanto.

P.S. O único filme deles que ainda não vi foi Cloud Atlas. Mas primeiro vou terminar de ler o romance de David Mitchell.

O Destino de Júpiter, dos irmãos Wachowskis, 127 min., Warner Bros.

NOTA: 


     

sábado, 14 de fevereiro de 2015

CRÍTICA DA 1ª TEMPORADA DE AGENTS OF SHIELD



Terminei de assistir à primeira temporada de Agents of SHIELD, e posso dizer que ela se tornou meu mais novo vício!

O piloto da série é decepcionante. Um verdadeiro coito interrompido. As expectativas eram altas e elas não se confirmaram. Claro que eu não podia esperar algo no nível do universo Marvel no cinema, com seus principais heróis e efeitos especiais milionários.

AoS é uma série de TV aberta, o que geralmente significa entretenimento mais convencional. Então eu esperava um programa que fosse divertido, assim como Arquivo X e Fringe eram. Que expandisse o que foi mostrado no cinema, com possibilidade de usar personagens da Marvel menos conhecidos, mas não menos interessantes. Contudo, o que eu vi no piloto foi uma trama enfadonha sobre o drama de um cara com superpoderes, e a investigação da SHIELD para descobrir como ele tinha os adquirido. Pior, a química do time protagonista não funcionava. Todos os clichês estavam lá: o agente caxias que reúne um bando de desajustados (Coulson), os ratos de laboratório jovens e esquisitinhos (Fitz-Simmons), o agente de campo cabeça dura e letal (Ward), a veterana enfezada e igualmente letal (May) e a hacker espertinha (Skye). Aí eu pensei: Oh, boy, mais do mesmo. Então a série teria mais 21 episódios disso? Desisti de acompanhá-la. Tinha tanta coisa melhor para assistir.

O tempo foi passando, a série ia sendo exibida, e os fãs se decepcionando. Os problemas de roteiro continuavam. Os boatos de cancelamento começaram a surgir. O mais decepcionante era saber que a série tinha o dedo de Joss Whedon, atual mente criativa da Marvel e criador de duas séries antológicas, Buffy e Firefly. Os showrunners tinham que fazer mudanças drásticas ou a série morreria. Então depois do midseason, a primeira temporada voltou e as notícias eram de que a coisa começou a engrenar. Ao terminar de assistir a primeira temporada, dá para perceber a diferença.

Nos primeiros dez episódios, o formato da série era basicamente do vilão da semana, com pouco investimento nos personagens, principalmente nos protagonistas, e tendo um arco mais ambicioso de fundo, só que caminhando devagar demais. Nos doze episódios seguintes, a série melhorou, porque ficou mais focada. Os produtores decidiram tirar o grande arco da série do armário e investir nos conflitos dos personagens. Acompanhamos o amadurecimento da relação entre os agentes da SHIELD. E digo amadurecimento não apenas no sentido positivo. A cada missão, a cada perigo enfrentado, eles passam a ficar mais conectados uns com os outros, gerando dilemas pessoais e entre eles. Os roteiristas da série deram um upgrade na personalidade de cada um, fazendo algo interessante: passaram a brincar com os clichês que cada personagem representa. Coulson não tem mais tanta certeza do que está fazendo; Fitz-Simmons se tornam cientistas bastante emocionais, expressando mudanças de comportamento às vezes imprevisíveis; Ward se mostra mais complexo do que aparenta; May se revela alguém que se importa por trás de sua máscara de frieza; e Skye sente o peso de guardar um segredo assustador. A gente começa a gostar desses personagens.

Outra melhora foi na condução da narrativa. Apesar de continuarem a exibir episódios não relacionados à trama principal (afinal, na TV aberta americana é preciso encher linguiça), tudo relacionado ao arco maior tem um desenvolvimento num ritmo mais acertado e de maneira mais eletrizante. A cada episódio, as coisas se complicam mais, e os agentes têm menos certezas. As revelações são difíceis de assimilar para eles. E novos mistérios abalam a confiança de todos. As soluções de roteiro são geralmente orgânicas, não apelando tanto para truques fáceis ou batidos. Na segunda metade da temporada, há uma grande virada com um dos agentes e suas motivações são explicadas de maneira satisfatória. É algo que o leitor de quadrinhos já está acostumado e releva se for para melhorar a trama.

Outro ponto positivo são os vilões. Porque uma boa estória tem que ter vilões marcantes. Mesmo que os caras maus da série não consigam rivalizar com vilões clássicos da Marvel, os atores que os interpretam se esforçam bastante para que a gente os odeie. E o elemento mais intrigante é ver boas pessoas se tornarem vilões bem convincentes.

O maior acerto de AoS foi confiar em sua própria mitologia. No início, a série estava muito submissa aos eventos do cinema, fazendo um fan service rasteiro. Quando ela passou a usar tais eventos de maneira mais relevante, conseguiu um salto de qualidade absurdo. Por exemplo, os eventos de Capitão América 2 são cruciais para a série.

Aqui menos é mais. Há personagens poderosos, mas não há os excessos de um filme como Os Vingadores, que é divertido, mas a verdade é que não ligamos muito para quem está ao redor do Homem de Ferro, Capitão América, Thor e companhia. Todo o resto parece tão pequeno, tão insignificante. Mesmo que a intenção dos heróis mostre o contrário. Na série, todo mundo conta. E problemas extraordinários têm quer resolvidos por gente comum.  

Agents of SHIELD, vários diretores, Marvel/ABC Studios


NOTA:


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

PARA LER OUVINDO IN RAINBOWS PARTE 5 FINAL

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Agora estou numa sala ampla com móveis luxuosos e antigos. Estou completamente seco. Nem sinal dos bagres gigantes, da chuva, dos raios.

A garrafa de vidro com o mapa sumiu da minha cintura. Será que cheguei ao meu destino?

Pelas janelas altas, vejo uma noite de lua cheia. Parece não ter ninguém na casa.

Mas logo uma sombra volumosa e disforme vem caminhando em minha direção.

Sob a luz, acaba o mistério, mas não o espanto: é um palhaço corpulento, de cara branca e de nariz e cabelo violeta.

Em silêncio, ele levanta os ombros, mexe os braços e as mãos, faz uma careta me convidando a entrar.

Ele segue o caminho de volta. Eu vou logo atrás. Nos deparamos com uma robusta porta fechada.

Antes de o palhaço abri-la, ele sorri para mim de forma assustadora.

Atrás da porta, há uma sala de jantar, onde outros palhaços nos esperam.

Todos estão de pé, ao redor de uma mesa comprida e farta, com dez ou doze deles de cada lado.

Palhaços de maquiagens, roupas e tamanhos diferentes me encarando. Tento disfarçar meu medo.

O palhaço de nariz e cabelo violeta aponta para a cadeira vazia da cabeceira.

Eu me sento. Os outros palhaços fazem o mesmo. Meu anfitrião permanece de pé.

Os palhaços se põem a comer, beber, conversar e rir. Eu apenas como e bebo, cauteloso, observando tudo.

Eles parecem não se importar com minha presença. Imaginei que eu fosse o convidado especial.

Olho para o lado e vejo que o palhaço de nariz e cabelo violeta desapareceu.

Começo a pensar em como sair dali, como posso continuar minha busca, e o que aquele lugar tem a ver com ela.

Percebo que um dos palhaços, de quando em quando, me encara, firme.

Sempre o encaro de volta, hesitante.

Os outros palhaços continuam a aproveitar o banquete.

O palhaço me encara uma última vez, e levanta-se.

Os outros palhaços parecem não se importar com sua ausência, como se fosse invisível.

O palhaço se aproxima de uma porta lateral, e desaparece na escuridão de outro cômodo.

A porta fica aberta.

Não quero saber se é um convite ou não. Me levanto. Vou em direção à porta.

Os outros palhaços também não dão a mínima.

O cômodo é tão escuro que não tem como ver qual seu verdadeiro tamanho.

Deve ser enorme. O palhaço está distante, sentado numa cadeira, no único ponto iluminado do recinto. Ele está de costas para mim.

Vou ao seu encontro.

Lembro de quando meu pai me levou ao circo pela primeira vez.

Minha expectativa era imensa. Nunca tinha visto animais selvagens de perto. Estava lá para ver macacos, leões e elefantes.

Mas, para minha surpresa, acabei me encantando com uma jovem trapezista. Acho que foi minha primeira paixão.

Estou mais perto do palhaço. Percebo que ele está sentado numa cadeira modesta. Está imóvel, os braços arriados, as costas relaxadas.

A fonte de luz são lampadazinhas fracas em volta do espelho da mesa de pernas finas.

O palhaço começa a tirar a maquiagem. Sua verdadeira pele se revela aos poucos. Ele me olha através do espelho.

São olhos tão familiares.

Um susto. É óbvio, imbecil.

Outro susto. Uma voz feminina me avisa: "Tempo encerrado. Para continuar a sessão, renove seus créditos... ".

FIM

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

PARA LER OUVINDO IN RAINBOWS PARTE 4

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Uma noite, alguém bateu na porta de nossa casa. Minha mãe foi atendê-la e deu um grito.

Fui correndo socorrê-la, e vi o mesmo que ela: um fantasma. Meu pai estava de volta.

Ele não queria ser o homem da casa novamente. Queria dar explicações, me reconquistar, ser o pai que fora ou melhor.

Porém suas palavras não me seduziam mais. Eu não era mais uma criança.

Ele retornou outras vezes. Me recusava a vê-lo.

Até o dia em que escrevi uma carta para minha mãe, revelando os motivos da minha partida (não todos).

Fui embora de casa. Não sem antes beijá-la na testa, enquanto dormia.

Peguei a estrada, sem rumo definido.

Eu sempre falava com minha mãe. Ela me contava como andava sua vida e eu contava da minha. Eu não revelava tudo, não queria magoá-la.

Toda vez ela me pedia para voltar para casa. Eu não fazia promessas que não podia cumprir.

Às vezes, ela falava sobre meu pai, de como ele estava sempre preocupado comigo.

Eu não queria saber. Falava para ela mudar de assunto, me irritava com ela. Depois pedia desculpas.

De uma maneira ou de outra, nunca fiquei sem ter notícias do meu pai. Mas fiquei sem vê-lo por anos.

O Homem da Máquina recomendou que eu não lutasse contra os caprichos da jornada.


Falar é fácil.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

PARA LER OUVINDO IN RAINBOWS PARTE 3

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O deserto se torna sombrio. As nuvens se fecham. Começa a chover forte. Os grossos pingos de água fazem da areia lama.

Para proteger o mapa, coloco-o de volta na garrafa de vidro.

Meus pés estão cobertos de lama. Meus passos ficam pesados. Mas vou adiante, insisto, agora sei para onde ir. 

Tudo o que tenho a fazer é esperar. Pelo momento certo.

O sinal são os raios, cortando o céu, atingindo o solo.

Lá estão eles! À minha frente, no horizonte, emitindo sua música assustadora.

Para ver melhor, enxugo o rosto com a mão várias vezes. Não dou muita importância aos grossos pingos de chuva me atingindo.

Os raios são tão brancos. Sinto uma mistura de medo e prazer ao contemplá-los.

Entre os raios, já posso vê-los, batendo suas enormes nadadeiras, lenta e graciosamente.

São bagres gigantes, multicolores. As tonalidades mudam a todo momento.

Preciso seguir as instruções do mapa.

Para montar nos bagres gigantes, a pessoa tem de gritar muito, muito alto. Para chamar a atenção deles. Fazê-los voar bem baixo.

Assim é possível agarrar-me a um dos bagres e seguir meu caminho.

Uma carona direto para A Montanha de Todos os Saberes, como indica o mapa. 

Os bagres gigantes estão se aproximando. Os raios estrondosos os acompanham.

Coloco a garrafa na cintura, dentro da calça folgada.

Inspiro fundo, encho os pulmões, fecho os olhos.

Nunca gritei com tanta força. A chuva não me atrapalha. Eu continuo a gritar, a gritar, a gritar.

Quando termino, um acesso de tosses acaba comigo.

Deu certo. Os bagres gigantes estão se aproximando, diminuem cada vez mais de altitude.

Agora tenho que me concentrar. Não posso perder a chance de montar em um deles.

Mesmo eu todo molhado, mesmo com suas escamas escorregadias, tenho de conseguir.

Eles vêm ao meu encontro. Os raios fazem a terra tremer. É agora.

Agarro-me à nadadeira de um dos primeiros bagres gigantes. Com dificuldade, monto nele. Faço de seus bigodes rédeas.

Ganhamos altitude. Agora sou eu quem atinge a chuva. O som dos raios à minha volta é ensurdecedor.

Agora meu coração está acelerado por outro motivo. O medo deu lugar ao êxtase.

Seguro-me ao bagre gigante com um pouco mais de destreza, de segurança.

O que me permite curtir a viagem. Mesmo com a chuva me encharcando, e os raios explodindo.

A cena me faz lembrar do dia em que eu e meu pai saímos de moto.

Numa manhã ensolarada, meu pai apareceu em casa com a moto de um amigo.

Aproveitamos a ausência de minha mãe para andarmos por estradas no litoral.

Fiquei na garupa, agarrado à sua cintura. Como era gostoso sentir o vento forte no rosto, o coração acelerar.

Foi nossa última aventura antes de ele partir.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

PARA LER OUVINDO IN RAINBOWS PARTE 2

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Não sei como vim parar nesse deserto. Efeitos colaterais da Máquina.

Não havia como programá-la para simplesmente colocar meu pai e eu, cara a cara, numa praia paradisíaca?

O Homem da Máquina me alertou: "Não será fácil".

Sinto uma sede terrível. O sol é inclemente. Não há nada ao meu redor, apenas areia.

Não sei se continuo a caminhar, seguindo com meus passos cada vez mais débeis. Ou se me rendo em definitivo ao cansaço febril.

Será esse o fim da minha jornada? Não vou poder xingar meu pai, dar-lhe um soco, beijá-lo?

Meu corpo não aguenta mais. Vou ao chão.

Mesmo com os sentidos confusos, sinto algo entre meus dedos. Ao abrir a mão, a areia se esvai, revelando uma chave antiga, enferrujada.

O trecho de areia sob mim começa a tremer. Consigo forças para me afastar, me jogar para o lado.

Uma pequena duna emerge. Na verdade, é um velho baú.

Me arrasto até ele. Levanto o corpo com dificuldade. Afasto com o braço vacilante a areia acumulada sobre sua tampa.

Coloco a chave na tranca e o abro.

O baú está cheio de água. E boiando, há uma garrafa de vidro fechada, com um rolo de papel dentro.

Bebo a água sofregamente. Ela é tão cristalina, tão fresca.

Depois de saciado, presto atenção na garrafa de vidro. A curiosidade me faz abri-la.

O rolo de papel é um antigo mapa. Mares, montanhas, florestas.


Ao final de uma linha pontilhada, uma inscrição indica: SEU PAI ESTÁ AQUI.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

PARA LER OUVINDO IN RAINBOWS PARTE I

De hoje até sexta-feira, publicarei este conto no Twitter e aqui no blog... Que preço você pagaria para acertar as contas com o passado?