Em 2014, depois de tantas tentativas fracassadas ao longo dos
anos, consegui terminar meu primeiro romance. Meio sem querer é verdade. Fui
convidado pela escritora Rita Maria Felix a escrever
uma noveleta, a partir de personagens criados por ela. O texto cresceu,
tornou-se uma novela, e finalmente um romance curto de, até agora, 43.567
palavras. É uma estória que pode ser rotulada de juvenil, mas que pode agradar gente de todas as idades, assim como alguns mestres que
admiro fizeram ou fazem tão bem (Philip Pullman, Diana Wynne Jones, Terry
Prachett, L. Frank Baum e Ursula K. LeGuin). É um romance de que tenho muito
orgulho, mas que, mesmo com todo o trabalho que tive e ainda vou ter em sua
versão final, não está maduro bastante para ser publicado profissionalmente.
Por isso, em breve vou publicá-lo todinho no Wattpad. Já estou me preparando
para escrever o segundo romance, e esse sim será pra valer. Leiam um trecho não
revisado do capítulo 12 do primeiro filhote:
Era uma noite de lua crescente. Seu Costa estava
num bar no centro da cidade. Como em tantas outras vezes, estava embriagado e
contando suas histórias de guerra para todos ouvirem.
Apesar do respeito a um veterano de guerra, cada
vez menos os frequentadores tinham paciência para ouvi-lo contar as mesmas
histórias.
Antes, deixavam-no
beber até cair, tivesse ou não dinheiro no bolso. Agora, seu crédito era quase
nenhum. O que gerava atrito entre ele e quem estivesse atrás do balcão.
Havia poucos conhecidos
que lhe pagavam uma bebida ultimamente. Além de alguns novos frequentadores.
Para estes últimos, ele
reservava um tratamento especial, contando alguma história mais intrigante,
mais escabrosa, ou tirando uma lição de vida mais profunda de sua experiência
no campo de batalha. Geralmente, Seu Costa levava o novo amigo para sentar a
sós. Sua esperança era de que quem não o conhecesse direito tivesse mais
paciência para ouvi-lo, e mais disposição para pagar bebidas.
Naquela noite, alguém
tinha pagado pela garrafa de uísque sobre a mesa. Uísque do bom. O que elevou
bastante o ânimo de seu Costa.
Mesmo em seu estado
lamentável, com os sentidos comprometidos, seu Costa pôde observar melhor a
figura à sua frente. Os dois estavam num canto do bar, em lados opostos da
mesa.
O homem tinha um rabo
de cavalo, usava gravata, colete e um terno bem cortado, e apoiava a mão numa
elegante bengala.
O estranho era que o
homem parecia relativamente jovem para precisar daquele auxílio. E ele não
demonstrava ter defeito físico nenhum.
Seu Costa concluiu que
fazia parte de seu figurino de habitante da Capital, de membro de sua elite.
O veterano não tinha
muito apreço por aquele tipo de gente, por considerá-los causadores de guerras,
aproveitadores que ganhavam dinheiro enquanto soldados perdiam suas vidas. Ele
também não entedia o que um cavalheiro fazia num lugar frequentado por
trabalhadores. Mas o trataria muito bem. Estava adorando o fato de um desses
desgraçados lhe pagar um bom uísque.
"Vou te contar uma
história que nunca contei antes, nem para minha mulher", disse seu Costa,
sorrindo para o seu benfeitor.
O homem correspondeu ao
sorriso, porém mantendo distância do bafo forte de álcool.
"Acontece que eu
não tenho interesse em ouvir apenas uma história. Eu quero ouvir todas as
histórias", disse o homem.
Seu Costa assustou-se,
fez uma cara confusa e recuou.
"Como assim
todas?"
"Cada uma delas,
em detalhes."
De repente, seu Costa
soltou uma gargalhada. Chamou a atenção de algumas pessoas ao redor, mas todos
já estavam acostumados aos seus excessos.
"Isso levaria
dias, homem. E custaria a você muitas garrafas de uísque."
O homem apertou o
rosto, numa expressão irônica.
"Infelizmente,
tempo é uma coisa muito valiosa para mim neste momento. Por isso, meu caro, eu
tenho uma maneira mais rápida de resolvermos essa questão."
"É mesmo?"
O homem apenas balançou
a cabeça, levemente. A confirmação de um cavalheiro.
Em seguida, segurou sua
bengala pelo cabo, deixando à mostra a ponta prateada e redonda.
Apenas assim seu Costa
pôde perceber que havia figuras gravadas, lado a lado, em sua superfície. Na
verdade, era sempre a mesma figura: um sol com o rosto sério, cercado por raios
de luz.
De repente, a ponta
redonda abriu-se em bandas, lembrando uma flor de prata.
E logo o seu conteúdo
chamou a atenção, gerando o espanto de seu Costa e de outros frequentadores.
Uma esfera de fogo saiu
de dentro da flor, elevou-se e permaneceu no ar.
Agora todos a
observavam, fazendo silêncio.
À exceção do homem, que
não tirava os olhos de seu Costa.
“Mas que bruxaria é
essa?”, perguntou o veterano, encarando a esfera.
“Bruxaria não, meu
caro, Magia e Ciência.”
Então o homem bateu com
a bengala no piso duro.
A esfera de fogo vibrou
intensamente e emitiu uma onda sonora que deixou todos ali de olhos arregalados
e corpos imóveis.
Apenas o homem não
sofrera os efeitos da onda.
Ainda sentado, ele
ergueu a mão livre e estalou os dedos.
Quem estivesse do lado
de fora do bar, estranharia ver portas e janelas fechadas e as luzes apagadas
naquela hora, naquele dia. Era apenas uma ilusão de ótica que não duraria
muito.
O homem precisava agir
rápido.
Ele soltou a bengala,
que permaneceu de pé, como se estivesse colada ao chão.
A esfera de fogo vibrava no ar, emitindo um leve
zumbido.
Ele levantou da
cadeira, deu a volta na mesa e foi até seu Costa. Colocou as mãos nas têmporas
do veterano, fechou os olhos e apertou os lábios...
Seu Costa acordou do
transe, tossindo muito, como se fosse morrer engasgado. Sentia-se como se
alguém tivesse lhe dado uma surra.
Os outros
frequentadores também não estavam muito bem.
Seu Costa levou um
susto quando percebeu que havia em sua mesa uma garrafa de uísque do bom. Como
ela foi parar ali?, perguntou-se.