sábado, 31 de janeiro de 2015

AUTORES DE FANTASIA QUE NÃO ESCREVEM EM INGLÊS

Quando se fala em fantasia, em literatura fantástica, pensa-se logo em autores americanos e britânicos. Tudo bem, as damas e os caras têm muita coisa a seu favor: principalmente, escrevem na língua de maior influência no mundo, fazem parte de um mercado editorial amadurecido e, no geral, utilizam-se de referências culturais arquetípicas, como se fossem os verdadeiros donos de tais referências. Então muita gente lança perguntas retóricas a respeito. Quem melhor para contar uma estória sobre reinos em guerra e dragões do que George R.R. Martin? Ou para falar sobre bruxos do que J.K. Rowling? Mas acontece que existem outras tradições a servir como inspiração para narrativas de fantasia. E mesmo as referências consagradas, que, a princípio, apenas deveriam ser apropriadas por autores de culturas mais próximas a elas, podem ser trabalhadas de maneira eficiente por autores de outras culturas e línguas, ou subvertidas em maior ou menor grau. A lista abaixo é uma amostra do que autores que não escrevem originalmente em inglês podem contribuir para a afirmação do gênero fantasia, do fantástico. Não são apenas americanos e britânicos que entendem do ofício.     


Licia Troisi é italiana. Sua série Crônicas do Mundo Emerso tem vários livros publicados pela Rocco. A Garota da Terra do Vento é o primeiro volume.



Mark Menozzi é outro italiano. Criador do mundo de Valdar, onde se passa o romance O Rei Negro, publicado pela Gutenberg, e o RPG de mesmo nome.



Felix J. Palma é espanhol. O primeiro volume de sua Trilogía Victoriana, O Mapa do Tempo, foi publicado pela Intrínseca.



Andrzej Sapkowski é polonês. Sua saga protagonizada pelo bruxo e matador de monstros Geralt de Rívia inspirou o game The Witcher. A Martins Fontes o publica por aqui. O Úlitmo Desejo é o primeiro livro da série.



Erik L'Homme é francês. Autor de FC e fantasia, principalmente para jovens. Seus livros são publicados pela Rocco.



Bernhard Hennen é alemão. No Brasil, a editora Europa publicou a trilogia Os Elfos. A Caçada dos Elfos é o tomo I.



Cornelia Funke também é alemã. Ela é um nome mais conhecido pelo leitor brasileiro por causa de sua trilogia Coração de Tinta, publicada pela Cia das Letras.



Sergei Lukyanenko é russo. Sua série Night Watch deu origem ao filme de mesmo nome, que chamou a atenção do mundo para a fantasia produzida no país. Continua inédito no Brasil.



Light novel é um gênero da literatura japonesa muito consumido por fãs de mangás e animes. É comum uma light novel servir de fonte para a criação de ambos. São romances com ênfase nos diálogos, voltados principalmente para jovens.  

domingo, 25 de janeiro de 2015

FINALMENTE, TERMINEI MEU PRIMEIRO ROMANCE



Em 2014, depois de tantas tentativas fracassadas ao longo dos anos, consegui terminar meu primeiro romance. Meio sem querer é verdade. Fui convidado pela escritora Rita Maria Felix a escrever uma noveleta, a partir de personagens criados por ela. O texto cresceu, tornou-se uma novela, e finalmente um romance curto de, até agora, 43.567 palavras. É uma estória que pode ser rotulada de juvenil, mas que pode agradar gente de todas as idades, assim como alguns mestres que admiro fizeram ou fazem tão bem (Philip Pullman, Diana Wynne Jones, Terry Prachett, L. Frank Baum e Ursula K. LeGuin). É um romance de que tenho muito orgulho, mas que, mesmo com todo o trabalho que tive e ainda vou ter em sua versão final, não está maduro bastante para ser publicado profissionalmente. Por isso, em breve vou publicá-lo todinho no Wattpad. Já estou me preparando para escrever o segundo romance, e esse sim será pra valer. Leiam um trecho não revisado do capítulo 12 do primeiro filhote: 

Era uma noite de lua crescente. Seu Costa estava num bar no centro da cidade. Como em tantas outras vezes, estava embriagado e contando suas histórias de guerra para todos ouvirem.

Apesar do respeito a um veterano de guerra, cada vez menos os frequentadores tinham paciência para ouvi-lo contar as mesmas histórias.

Antes, deixavam-no beber até cair, tivesse ou não dinheiro no bolso. Agora, seu crédito era quase nenhum. O que gerava atrito entre ele e quem estivesse atrás do balcão. 

Havia poucos conhecidos que lhe pagavam uma bebida ultimamente. Além de alguns novos frequentadores.

Para estes últimos, ele reservava um tratamento especial, contando alguma história mais intrigante, mais escabrosa, ou tirando uma lição de vida mais profunda de sua experiência no campo de batalha. Geralmente, Seu Costa levava o novo amigo para sentar a sós. Sua esperança era de que quem não o conhecesse direito tivesse mais paciência para ouvi-lo, e mais disposição para pagar bebidas. 

Naquela noite, alguém tinha pagado pela garrafa de uísque sobre a mesa. Uísque do bom. O que elevou bastante o ânimo de seu Costa.

Mesmo em seu estado lamentável, com os sentidos comprometidos, seu Costa pôde observar melhor a figura à sua frente. Os dois estavam num canto do bar, em lados opostos da mesa. 

O homem tinha um rabo de cavalo, usava gravata, colete e um terno bem cortado, e apoiava a mão numa elegante bengala.

O estranho era que o homem parecia relativamente jovem para precisar daquele auxílio. E ele não demonstrava ter defeito físico nenhum. 

Seu Costa concluiu que fazia parte de seu figurino de habitante da Capital, de membro de sua elite.

O veterano não tinha muito apreço por aquele tipo de gente, por considerá-los causadores de guerras, aproveitadores que ganhavam dinheiro enquanto soldados perdiam suas vidas. Ele também não entedia o que um cavalheiro fazia num lugar frequentado por trabalhadores. Mas o trataria muito bem. Estava adorando o fato de um desses desgraçados lhe pagar um bom uísque. 

"Vou te contar uma história que nunca contei antes, nem para minha mulher", disse seu Costa, sorrindo para o seu benfeitor.

O homem correspondeu ao sorriso, porém mantendo distância do bafo forte de álcool. 

"Acontece que eu não tenho interesse em ouvir apenas uma história. Eu quero ouvir todas as histórias", disse o homem.

Seu Costa assustou-se, fez uma cara confusa e recuou.

"Como assim todas?"

"Cada uma delas, em detalhes."

De repente, seu Costa soltou uma gargalhada. Chamou a atenção de algumas pessoas ao redor, mas todos já estavam acostumados aos seus excessos.

"Isso levaria dias, homem. E custaria a você muitas garrafas de uísque."

O homem apertou o rosto, numa expressão irônica.

"Infelizmente, tempo é uma coisa muito valiosa para mim neste momento. Por isso, meu caro, eu tenho uma maneira mais rápida de resolvermos essa questão."

"É mesmo?"

O homem apenas balançou a cabeça, levemente. A confirmação de um cavalheiro.

Em seguida, segurou sua bengala pelo cabo, deixando à mostra a ponta prateada e redonda.

Apenas assim seu Costa pôde perceber que havia figuras gravadas, lado a lado, em sua superfície. Na verdade, era sempre a mesma figura: um sol com o rosto sério, cercado por raios de luz.

De repente, a ponta redonda abriu-se em bandas, lembrando uma flor de prata.

E logo o seu conteúdo chamou a atenção, gerando o espanto de seu Costa e de outros frequentadores.

Uma esfera de fogo saiu de dentro da flor, elevou-se e permaneceu no ar.

Agora todos a observavam, fazendo silêncio.

À exceção do homem, que não tirava os olhos de seu Costa.

“Mas que bruxaria é essa?”, perguntou o veterano, encarando a esfera. 

“Bruxaria não, meu caro, Magia e Ciência.”

Então o homem bateu com a bengala no piso duro. 

A esfera de fogo vibrou intensamente e emitiu uma onda sonora que deixou todos ali de olhos arregalados e corpos imóveis.

Apenas o homem não sofrera os efeitos da onda.

Ainda sentado, ele ergueu a mão livre e estalou os dedos.

Quem estivesse do lado de fora do bar, estranharia ver portas e janelas fechadas e as luzes apagadas naquela hora, naquele dia. Era apenas uma ilusão de ótica que não duraria muito.

O homem precisava agir rápido.

Ele soltou a bengala, que permaneceu de pé, como se estivesse colada ao chão.
A esfera de fogo vibrava no ar, emitindo um leve zumbido.

Ele levantou da cadeira, deu a volta na mesa e foi até seu Costa. Colocou as mãos nas têmporas do veterano, fechou os olhos e apertou os lábios... 

Seu Costa acordou do transe, tossindo muito, como se fosse morrer engasgado. Sentia-se como se alguém tivesse lhe dado uma surra.

Os outros frequentadores também não estavam muito bem.


Seu Costa levou um susto quando percebeu que havia em sua mesa uma garrafa de uísque do bom. Como ela foi parar ali?, perguntou-se.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

RESENHA DE TOMOS FANTÁSTICOS VOLUME I - FANTASIA MEDIEVAL E HEROICA



O cenário medieval é algo batido nas estórias de fantasia. Por isso, autores estrangeiros, novatos ou veteranos, precisam trazer aos leitores alguma coisa nova para continuar a cativá-los. No caso dos autores nacionais, o esforço acaba sendo maior por nossa falta de tradição no gênero. Nos últimos anos, a fantasia tem ganhado força no país, com o surgimento de nomes que se dedicam a contos, noveletas e romances povoados de cavaleiros, magos, feiticeiras e dragões. A qualidade das obras é variada, indo da pior cópia de Tolkien a exemplos de boa ficção, inclusive no mesmo nível dos melhores autores internacionais.

Parte dessa produção brasileira pode ser conferida na antologia Tomos Fantásticos.  Ela é composta de nove contos (na verdade, algumas estórias são noveletas) e duas HQs. Há uma mistura equilibrada entre nomes mais conhecidos e novos autores. Os trabalhos que mais me chamaram a atenção foram as estórias A Serpente e as Pombas, de Ana Lúcia Merege; A Balada de Waren, de Elsen Pontual; Aliança Improvável, de Bruno Leandro; e a HQ Os Guerreiros Jactanciosos, de Savio Roz.   

Em A Serpente e as Pombas, acompanhamos a chegada de um cavaleiro veterano de guerra a um palácio. Ele deseja reencontrar o rei, com que lutou. Também conhecemos as filhas desse rei, jovens muito cheias de vida e versadas nos mistérios da magia. Um acontecimento dramático envolverá todos esses personagens. Ana Lúcia Merege, talvez nossa maior autora no gênero, construiu um texto muito gostoso de ler, elegante e fluido. Ela conseguiu criar uma atmosfera de mundo medieval com boa pesquisa, mas que não atrapalha o ritmo da narrativa. Os personagens são tridimensionais. Nos importamos com eles, inclusive com os vilões.

Elsen Pontual foi minha maior surpresa na antologia. Por não conhecer o autor, não sabia o que esperar. È dele o texto mais longo do livro. A Balada de Waren é o depoimento de um bardo sobre uma aventura para qual foi convocado a participar ao lado de lendários heróis. Este é outro texto elegante na execução, e também no desenvolvimento das ideias. As incertezas do narrador e dos supostamente inabaláveis heróis se tornam questionamentos sobre os nobres propósitos da aventura heroica, e de como a linha entre praticar o bem e o mal é mais fina do que imaginamos.     

Aliança Improvável é outra estória que subverte as convenções da fantasia ao transformar um elfo e um ogro de inimigos mortais a aliados inusitados. Bruno Leandro vira de ponta cabeça nossa concepção do que é ser elfo e ogro. Aqui não há vilões e heróis, mas seres com visões de mundo diferentes, que fazem de tudo para defender cada um suas convicções, suas culturas.

O trabalho mais divertido ficou por conta de Savio Roz e sua HQ Os Guerreiros Jactanciosos, uma paródia muito acertada de temas caros à fantasia, principalmente, dos deveres do herói. Ela é curta, mas o quadrinista soube aproveitar bem o pouco espaço, destilando um humor corrosivo que faz referência com o nosso presente. 

As outras estórias e HQ variam entre o regular (A Cidade no Fim de Tudo, de Ana Cristina Rodrigues; e O Coração Negro, de Gian Danton) e o bom (Tirano, de Carol Chiovatto; Nobre Sacrifício, de Lucas Maziero; O Morro da Gruta Sussurrante, de André Cordenonsi; A Assassina do Reino de Gelo, de Alícia Azevedo; e a HQ Uma Canção do Velho Bardo). Cada uma possui páginas que valem a pena acompanhar, mas carregam problemas de ritmo, estilo, construção de personagens, lógica interna dos universos e desfecho das narrativas que comprometem mais ou menos a experiência de leitura.

É preciso ressaltar também a edição da editora 9Bravos. O fato de ser uma editora pequena não impediu que ela apresentasse um livro muito profissional. Todo o trabalho de capas, diagramação e arte interna está muito bonito. Além da escolha de fontes elegantes e funcionais, e da gramatura adequada do papel amarelo. O único problema é a sua revisão. Em alguns trechos, os erros apenas incomodam. Em outros, chegam a irritar. Mas, no fim, as qualidades superam em muito os defeitos.  É uma obra que merece ser prestigiada.

Tomos Fantásticos Volume I – Fantasia Medieval e Heroica, vários autores, 212 págs., 9Bravos


AVALIAÇÃO: MUITO BOM

sábado, 17 de janeiro de 2015

RESENHA DE ENTREQUADROS - CÍRCULO COMPLETO, DE MÁRIO CÉSAR



EntreQuadros - Círculo Completo é um daqueles tesouros que precisam ser descobertos. São tantos quadrinhos para ler que realmente fica difícil acompanhar tudo que há de bom, inclusive nos quadrinhos nacionais. Porém os mais persistentes fuçam a pilha, acham coisas promissoras e ao fim da leitura ficam de queixo caído.

Quando um trabalho é excelente, o resto fica por conta da visibilidade. Vejam, por exemplo, o caso do quadrinista Vitor Cafaggi. Ele sempre batalhou por seus quadrinhos independentes, como Valente, o cãozinho gente boa. Mas seu nome estourou mesmo quando ele fez, junto com sua irmã Lu Cafaggi , a grafic novel Laços, dando à turma da Mônica uma gostosa atmosfera de infância nos anos 1980. Depois, o próprio Valente foi publicado pela Panini, ganhando mais visibilidade e melhor distribuição. 


Mário César está na batalha por seus quadrinhos, e é outro cara que merece um boom. No seu EntreQuadros – Círculo Completo, acompanhamos o primeiro encontro de Freuderico, um homem de meia-idade, com uma mulher sem nome (um vacilo sexista do autor!) e mais jovem. Eles se conheceram na internet. Apesar das reservas iniciais ao se verem ao vivo, as expectativas são correspondidas. Freuderico acaba tocando no assunto da ex, e por que não saía com ninguém há tanto tempo. Para surpresa do próprio Freuderico, sua companhia quer escutar sua história. 

Mário César


Então conhecemos a história de amor de Freuderico e Martha, ainda na faculdade de Psicologia, décadas atrás. O que tinha tudo para ser mais uma daquelas dramédias de casal indie chatas, nas mãos de Mário César, torna-se uma divertida, profunda e estranha história de amor, com direito a toques sobrenaturais. O roteiro espertamente foge do clichê realista, utilizando-se muito bem do fato de ser uma HQ.  O autor soube viajar na maneira de retratar os altos e baixos do casal. Passado e presente se alternam, mostrando as decisões que Freuderico tomou no relacionamento com Martha, e tem de tomar agora com essa nova mulher em sua vida.

O tom de deslocamento, de se sentir fora do lugar, numa São Paulo vibrante, e o visual em duas cores lembram muito a obra do quadrinista canadense Seth.

A HQ de Mário César é uma ótima surpresa, com arte e roteiro de padrão internacional.

EntreQuadros – Círculo Completo, de Mário César, 88 págs., Balão Editorial.

AVALIAÇÃO: MUITO BOM  

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

OS OUTROS TALENTOS DE MARC SIMONETTI

O artista francês Marc Simonetti ficou conhecido no Brasil pelas lindas capas da série de fantasia épica As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, para a editora Leya. Depois, ele assinou capas de outros autores de fantasia, tornando as ilustrações de cores quentes ou frias e com perspectivas colossais sua marca registrada. Mas além de ilustrador, Simonetti também trabalha com filmes, games, quadrinhos, arte conceitual e propaganda. Na área que o tornou conhecido, ele mostra outros talentos, criando ilustrações inspiradas no universo de fantasia mais cômico de Discworld, de Terry Prachett, no mundo sombrio e estranho de Lovecraft, nas viagens espaciais da ficção-científica e em outras viagens da mente.